Á Primeira Vista I - Ígor e Luíza.

quinta-feira, novembro 03, 2016



   Você nunca acha que vai se apaixonar assim, depois do colégio, dentro do ônibus, em uma tarde infernalmente quente, no meio de stress e mormaço. Mas o destino sempre está aí para te dar um tapa na cara, e repetir o bordão Never Say Never. Não que o tapa na cara tenha doído, pelo contrário: foi esse tapa na cara que fez com que eu conhecesse a garota dos meus sonhos.

  Como disse, era depois do colégio, no ônibus. Eu não estava muito bem: naquele dia tirei cinco na prova de história e esqueci meu livro de biologia. Para mim, o atraso do coletivo era só mais uma vírgula no turbulento dia. Quando vi o veículo se aproximar em meio ao asfalto quente, que exalava calor e tremia tudo ao longe, uma irritação maior tomou conta de meu corpo, já que podia ver a cerca de dez metros que aquilo parecia uma feira de domingo. O motorista abre as portas, que soltam um ar abafado e me olha com um ar cansado. Suava até a garganta. Estava péssimo. Subo aquele degrau com esforço, já que minha mochila parecia mais pesada que de costume - mesmo sem o livro de Biologia, que era um tijolo em forma de capa, espiral e folhas. Entrego minhas contadas moedas a ele, que joga em seu caixa e bate com força, logo fechando a porta e tocando o transporte.

Era quase impossível estar ali: todos suando, falando alto, respirando um ar velho e quente. Chegava a suar frio, e meu stress ia aumentando. Espero alguém se mover para passar na roleta, e me espremo em meio a uma senhora com uma enorme sacola e um homem uniformizado, com uma mochila surrada aos pés. Me seguro na barra acima de mim, tentando me equilibrar dos bruscos freios do ônibus. O motorista estava irritado. Não era de se impressionar quanto a isso.

Então, ele para de novo, e a porta da frente e a do meio se abrem. Descem cinco. Sobem três.

Vejo então uma folga no meio do ônibus e vou me arrastando até lá. Coloco minha mochila no chão e a prendo com os pés. Suspiro. Calma Ígor, o dia está acabando. Olho para frente, e vejo pelo vidro do motorista uma fila de carros com suas luzes vermelhas iluminando a cara do homem. Uma senhora está dando dinheiro a ele e, atrás dela, uma garota. Uma garota qualquer. Quer dizer, sua mochila é legal. É estampada com discos de vinil. Gostei.

A senhorinha passa a roleta, e logo acha um local para se sentar. Olho novamente a garota. Não sei porquê, mas me senti tentado a olhá-la. Ela está de costas, recostada na roleta, procurando algo em sua mochila, meio torta, mas consegue tirar uma nota de dois reais dela e entregar ao motorista. Ele libera sua passagem, ela se vira.

Sabe quando parece que tem alguém empurrando seu coração e seu pulmão pra trás? Aquela estranha sensação que seus braços estão formigando e você não consegue dizer nada, quanto menos pensar? Sim, pode ser um infarto. Mas Deus não podia me matar, não naquela hora, não quando eu vi os olhos da Luíza.

Ela tinha olhos de espelho e refletiram todo a loucura que sentia em vê-la. Seu cabelo, preso em coque, mostrou em detalhes sua correntinha de ouro com um pássaro espalmado em seu peito. Seu uniforme, de um colégio pouco conhecido, me intrigou. Da onde ela teria saído? Por que entrou nesse ônibus hoje? Por que nunca a vi antes? Luíza era como um problema de equação, no qual ela era X e eu era um matemático compulsivo. Eu me apaixonei por ela, apenas pelo olhar. Ela não precisou dizer nada, apenas andar e respirar.

Ficou em pé ao meu lado. Olhei pra baixo. Vi seu All-Star vermelho e a barra de sua calça jeans acumulada. Ela era realmente mais baixinha que eu. Olhei de canto de olho: uma mecha castanha tampava parte de seu rosto, mas podia ver sua boca e suas bochechas, rosadas no mesmo tom. Sua pele era branca, mas estava vermelha com o calor e o Sol forte que tomou antes de subir no coletivo.

Ela então se virou e os olhos castanhos dela colidiram contra os meus, verdes musgo. Sempre achei a cor dos meus olhos legal - e os outros também: achavam diferente, bonito, mas até que eu entendia o lado deles. Nunca tinham visto os olhos castanhos infinitos de Luíza. Aliás, é por isso que meus amigos gostavam da Larissa, a garota considerada a mais gata do colégio: porque nunca tinham visto os detalhes de Luíza, o quanto ela era perfeita. Na verdade, entendi o porquê da infelicidade, monotonia e mediocridade das pessoas, até pelo menos conhecê-la. Eu também era assim antes de entrar no ônibus.

Essa garota é como luz, - não a fervente do Sol - algo que ilumina a alma, algo que apaixona, algo que muda tudo e todos. Eu sou apaixonado pela Luíza e posso dizer, com toda a certeza, que a amei à primeira vista. 

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